1.
Generalidades
As usinas termelétricas convencionais, queimando
combustíveis fósseis, têm uma eficiência térmica
da ordem de 30 a 40%, isto é, só estas percentagens da
energia contida no combustível são transformadas em trabalho
mecânico. O restante é perdido em forma de calor, seja
na exaustão ou na condensação do vapor. Em uma
unidade de cogeração, a energia que seria inaproveitada
é usada para prover calor a um processo, ou aquecimento de ambientes.
Desta forma, podemos definir cogeração
como sendo a produção conjunta de trabalho mecânico
e calor utilizável a partir da queima do mesmo combustível.
O trabalho mecânico é em geral usado para acionar um gerador
elétrico, mas poderá ter outras finalidades como o acionamento
de compressores ou a propulsão de navios. O calor é quase
sempre utilizado para geração de vapor para processo,
ou água quente para aquecimento.
Uma instalação de cogeração
pode ter eficiência térmica de até 85%. Além
de dar melhor uso à energia do combustível, reduz-se o
impacto ambiental, especialmente quanto às emissões gasosas.
Ao lado destas vantagens econômicas e ecológicas, há
alguns pontos negativos na cogeração. Como o vapor e a
água quente não podem ser levados a longas distâncias,
deverão existir localmente demandas para suas produções,
sem o que a eficiência térmica global do processo ficará
prejudicada. Além disto, estas utilidades deverão ser
geradas às temperaturas requeridas localmente. Por estes motivos,
a energia elétrica tem geralmente um peso maior que o calor,
e as avaliações econômicas de uma instalação
têm que levar estes fatos em consideração.
A seleção, avaliação e eventual
implementação de uma instalação de cogeração
são tarefas complexas, que pressupõem um conhecimento
detalhado das demandas de calor e eletricidade, e seus respectivos custos.
Provavelmente cada instalação terá mais de uma
solução, todas exigindo estudos minuciosos dos aspectos
técnicos e econômicos para que a melhor dentre elas seja
selecionada. Este trabalho não se propõe a descrever com
detalhes todos os passos da seleção e avaliação
de uma instalação de cogeração; abordará
portanto apenas aspectos de maior relevância e alguns exemplos
gerais.
2. Seleção Do Acionador Principal
A peça mais importante de uma instalação
de cogeração é o acionador principal, que pode
ser uma caldeira/turbina a vapor, motores alternativos ou turbinas a
gás. Há ainda as chamadas "tecnologias emergentes",
como células de combustível, ou motores Stirling (uma
tecnologia há muito conhecida, mas que só recentemente
vem sendo explorada comercialmente). Poderão ser usadas eventualmente
combinações dos tipos de acionadores mencionados acima.
Cada acionador tem características específicas
que o tornam mais ou menos adequado a uma aplicação específica
de cogeração, sendo essencial que estas características
sejam levadas em conta no processo de seleção. Potências
da ordem de 5 MW ou menos (por exemplo, hospitais) são melhor
atendida pelos motores alternativos. Acima de 20 MW, usam-se em geral
caldeiras/turbinas a vapor, ou turbinas a gás. Uma associação
de turbinas a gás e a vapor, conhecida como sistema de ciclo
combinado (CCPS) vem sendo muito usada em instalações
maiores. No intervalo 5 MW/20 MW, qualquer das duas tecnologias pode
ser usada.
2.1 Motores alternativos
Os motores a pistão podem ser com ignição
elétrica ou diesel. Há exemplos de cogeração
com grandes motores diesel, como nos modernos navios, onde este tipo
de motor vem sendo um padrão. Combinados a um sistema de recuperação
de calor, podem responder pelas necessidades de aquecimento e ar condicionado
das embarcações, sem necessidade de energia adicional.
Podemos alinhar as seguintes particularidades dos motores
alternativos:
· São adequados para instalações
de potência inferior a 20 MW, pois são produzidos em série
e têm custo competitivo.
· Usam em geral óleos combustíveis
líquidos, mas podem queimar gás.
· Têm boa eficiência térmica
(38-42%), porém com calor a baixa temperatura, limitando-se na
prática ao aquecimento de água e de ambientes.
· São instalações compactas,
exigem pouca infra-estrutura e podem ser montados rapidamente.
· Têm exigências de manutenção
estritas, e disponibilidade menor que as demais soluções.
2.2 Caldeiras / Turbinas a Vapor
Nessas instalações, como vimos, o combustível
é queimado em uma caldeira, e seus gases quentes geram vapor
de alta pressão. Este vapor expande-se através da turbina,
acionando um gerador elétrico.
Há dois tipos básicos de turbinas a vapor
: as sem condensação, ou de contrapressão, e as
de condensação. As de contrapressão têm,
em sua exaustão, vapor à pressão adequada para
ser usado em processo. Se for exigido vapor à pressão
mais alta, pode-se extraí-lo da turbina durante a fase de expansão.
Nas turbinas ditas de condensação, extrai-se
vapor à pressão desejada durante a fase de expansão,
enquanto o restante continua expandindo-se até a condensação,
gerando energia adicional. Neste caso, a relação potência
/ calor é consequentemente mais alta, mas o ciclo global de cogeração
tem eficiência menor. Entretanto, por serem mais flexíveis
e produzirem mais eletricidade, as turbinas de condensação
são escolhidas em determinadas aplicações.
De modo geral, as turbinas a vapor apresentam as seguintes
características:
· São especialmente adequadas para instalações
de porte, com queima de carvão, óleo combustível
pesado ou rejeitos industriais como o bagaço da cana.
· Têm uma eficiência térmica
relativamente baixa, porém com a vantagem de obtenção
de calor às temperaturas necessárias.
· O custo por KW é alto, e o tempo de instalação
longo.
· A relação potência / calor
é variável ao longo de uma ampla faixa, o que dá
flexibilidade à operação.
· Exigem áreas grandes e quantidades significativas
de água de refrigeração.
· Têm alta disponibilidade.
A baixa eficiência térmica de uma instalação
caldeira/turbina a vapor torna economicamente desaconselhável
o uso de combustíveis de alto valor, como o gás natural.
Desta forma, são mais usadas com carvão ou óleos
pesados, onde o custo do combustível pode ser melhor recuperado.
2.3 Turbinas à Gás
Nas turbinas a gás, o ar é aspirado na
entrada, comprimido a 15 ou 20 vezes a pressão atmosférica,
e então misturado ao combustível na câmara de combustão.
Os gases quentes aí produzidos impulsionam a turbina, que aciona
o compressor de ar e um gerador elétrico ou outro equipamento
rotativo.
Nas instalações de cogeração,
os gases de exaustão da turbina passam por uma caldeira de recuperação
de calor, onde produz-se vapor na pressão desejada. O vapor assim
obtido pode ser usado diretamente, ou expandido através de uma
turbina a vapor, gerando mais energia. Neste caso, temos o chamado "Sistema
de Ciclo Combinado" (CCGS), solução adotada geralmente
pelas termelétricas a gás natural. Qualquer dos dois tipos
de turbina a vapor discutidos em 2.2 pode ser usado.
Destacam-se as seguintes particularidades das turbinas
a gás:
· São adequadas para faixas de potência,
desde 5 MW até 1.725 MW, como tem a Enron em Teeside, Inglaterra.
· O combustível é limitado ao gás
ou derivados leves da refinação do petróleo, como
distilado, querosene ou nafta.
· O tempo de instalação é curto,
embora com prazos de entrega atuais dilatados.
· Em ciclo aberto, a eficiência térmica
é baixa (30 a 35%), mas em ciclo combinado pode chegar a 50-55%,
o mais alto de todos os tipos de acionador.
· A relação potência / calor
é flexível.
· O custo por KW é relativamente baixo.
2.5 Tecnologias Emergentes
Como já mencionamos, há diversas tecnologias
alternativas que poderão ser usadas no acionador principal em
cogeração. Por estarem ainda em desenvolvimento, entretanto,
é difícil verificar seu potencial. Embora possam demonstrar
eficiências térmicas elevadas, até 55%, e sejam
adequadas do ponto de vista ambiental, os custos, flexibilidade e adequabilidade
à cogeração ainda são incertos. Para que
possam tornar-se competidores sérios das opções
convencionais que descrevemos, terão que ser iguais ou melhores
que elas - o que fica ainda mais difícil com os aperfeiçoamentos
contínuos dos esquemas até agora usados.
3 Considerações Econômicas
A não ser por razões estratégicas,
como por exemplo em locais onde o suprimento de energia elétrica
não é confiável, a opção pela cogeração
via de regra é definida por condicionantes estritamente econômicas
e , somente quando evidenciam reduções substanciais nos
custos de energia , são adotadas.
Nesta análise econômica, os seguintes pontos,
entre outros, devem ser consideradas:
· Preços da eletricidade, correntes e futuros
· Preço do calor
· Preço e disponibilidade do combustível.
· Custos de implantação, operação
e manutenção.
· Incentivos fiscais
· Nível esperado de retorno financeiro
Um aspecto importante a ser considerado no cálculo
do custo da energia elétrica é o impacto que pode haver
sobre os mesmos da importação ou exportação
para a rede local de pequenas quantidades de energia. É também
necessário levar em conta os custos da energia de "back
up", para absorver as paradas das instalações onde
não há capacidade de reserva instalada. Não é
impossível também que, com a ameaça de perda de
receita, a concessionária reduza seus preços, diminuindo
as vantagens do empreendimento. Mas mesmo nestes casos, pode-se entender
que a consideração da utilização da cogeração
como alternativa foi válida por ter-se atingido o objeto maior
que é o da redução dos custos com energia.
O método de avaliação de um projeto
deve refletir as práticas normais da empresa onde é executado,
mas em geral é utilizado o do pay-back simples, ou o do valor
líquido presente, mais rigoroso. Embora o primeiro possa ser
aproximado, ele permite uma comparação rápida das
várias opções sendo usado como primeiro instrumento
por várias grandes organizações. É pouco
provável que uma instalação de cogeração
tenha um tempo de retorno inferior a 4 ou 5 anos, a menos que o custo
do combustível seja muito baixo.
A técnica do valor líquido presente determina
de forma mais acurada o retorno global de um projeto, mas se baseia
em pressupostos relativos a taxas de desconto e outros, de difícil
previsão em prazos de 5 anos ou mais. Além disto, o método
do valor líquido presente não identifica os projetos que
dão a taxa mais rápida de retorno, o que pode ser importante
em casos de recursos escassos. Portanto, o melhor será combinar
os dois métodos.
Como uma avaliação econômica requer
que se considerem as tendências futuras, a análise de sensibilidade
do modelo financeiro às variações de valor de itens
como combustível ou taxa de juros é essencial e ajudará
a definir e reduzir os riscos do projeto.
Outro ponto de importância na análise econômica
são as especificidades de cada país, sua legislação
e incentivos dados pelo governo. Na Inglaterra, por exemplo, embora
haja estímulos do governo às instalações
de cogeração, há pouco suporte financeiro e legislação
limitada. Uma política de curto prazo, vigorante até início
da década de 90, mantinha o preço baixo da eletricidade
(2,5p/kwh) e preços altos para o gás (acima de 20p/therm).
Esta situação modificou-se com a meta governamental de
ter instalações de cogeração com capacidade
total acima de 20 GW até 2003, mas os esquemas financeiros ainda
permanecem pouco apropriados. Nosso site mostra, no botão "Tarifas",
o que cada distribuidora de gás canalizado cobra pelo gás,
e os preços de energia elétrica das respectivas concessionárias.
Assim, é possível verificar, em primeira análise,
as vantagens de uma instalação de cogeração
em vários pontos do país.
Nos Estados Unidos, a introdução do PURPA,
em 1978, estimulou, com base na conceituação de custos
evitados , a construção de unidades de cogeração.
Os documentos do PURPA podem ser acessados em nosso site a partir do
botão "Legislação".
Na Espanha, desenvolveu-se também um significativo
mercado de cogeração, em decorrência da política
governamental de substituir como combustível industrial óleo
por gás. Através da construção de uma rede
nacional de distribuição de gás, a indústria
espanhola pode ter neste energético uma forma de reduzir custos
e tornar-se mais competitiva internacionalmente.
4 Considerações Ambientais
Como têm eficiência térmica mais alta,
os esquemas de cogeração consomem menos combustível,
com a redução consequente das emissões gasosas.
A adoção dos ciclos combinados, com queima de gás
natural, reduziram ainda mais estas emissões, pois este energético
é basicamente "limpo", e a relação consumo
/ descarga de água é menor, pois o ciclo de vapor é
reduzido. De fato, foi a introdução das CCPS que causaram
a significativa redução dos níveis de poluição
gasosa na Inglaterra, nos últimos 5 a 10 anos. O potencial de
redução de emissões, especialmente em instalações
movidas a gás natural, é um forte elemento a favor da
cogeração, e da resultante redução das usinas
a carvão.
5 Conclusão
Cada projeto de cogeração é diferente
dos demais, e envolve uma sequência de passos até que fique
assegurada sua viabilidade e a escolha da melhor solução.
Entre eles, enumeram-se os seguintes:
· Estabelecimento das demandas de calor, de resfriamento
(chilling loads) e de vapor.
· Análise do perfil da demanda de calor e
a escolha do tipo e tamanho da instalação de cogeração.
· Escolha do combustível, com base em fatores
locais e econômicos.
· Estudo de viabilidade preliminar, considerando
as conexões à infra-estrutura e as condições
de arranjo local.
· Escolha do acionaodor principal e diagrama de
ciclo.
· Estabelecimento do esquema básico e do
modelo operacional.
· Avaliação econômica do esquema
básico e suas opções.
· Seleção do melhor esquema e análise
de riscos.
· Identificação das vantagens ambientais
e seus incentivos.
· Estudo dos possíveis financiamentos, especialmente
a juros subsidiados.
· Tomada de decisão de executar a instalação.
· Formação de empresa de propósito
específico, se necessário.
· Implementação do projeto.
A consideração destes fatores mostrará
que não há solução universal ou mesmo conjunto
de regras para determinar a viabilidade do projeto e sua melhor solução
técnica. Cada projeto de cogeração tem um certo
número de soluções, e só um estudo acurado
poderá determinar a melhor delas. Entretanto, sempre haverá
uma solução, provavelmente favorável financeiramente.
6 Leituras Aconselhadas
Griffiths, Robin T. Combined Heatand Power, Energy Publications.
ISBN 1874334 04 8
Vários autores Good Practice Guide Series, ETSU,
Harwell, Oxford.
Desta série são particularmente interessantes:
Nº 1 Guidance Notes for the Implementation of Small-Scale
Packagede Combined Heat and Power
Nº 3 Introduction to Small-Scale CHP
Nº 43 Introduction to Large-Scale CHP
Nº 67 Energy Champions : A Selection of Case Histories
Nº 115 An Environmental Guide to Small-Scale CHP
Nº 116 Environmental Aspects of Large-Scale CHP
Nº 227 How to Appraise CHP
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